quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Diamantes e lodo

Vejo essa tua felicidade intensa com duração de três ou quatro se estendendo ao máximo de cinco meses esvair-se, e de uma forma terrivelmente cruel, isso me conforta. Conforta tanto e tão que me pego agora com um sorriso cínico no canto da boca e então vem o alívio respira enche os pulmões solta lentamente como quem acaba de ser salvo de um triste acontecimento ou situação desagradável. 
Essa expressão logo é tomada por outra completamente diferente: agora com a boca fechada, dentes cerrados e vários quilos sobre os ombros já cedendo, me lembro - com certo esforço, pois não sou mais aquela, você sabe, não sou mais a mesma. Me lembro daquela noite em que você lia sentado no canto da sala em cima das almofadas jogadas, cotovelos apoiados sobre as pernas cruzadas como índio, livro em punho. Eu escolhia uma música. Nós dois estávamos tão diferentes, sequer dividíamos o mesmo mundo naquele exato momento. Pensei em colocar uma dançante, dançante e louca, ou quem sabe Don't feel sorry for me, que bem viria a calhar. Egoísmo. 
Voltei o olhar pra você e continuava do mesmo jeito, petrificados você e o livro. Talvez você nem ouvisse a música, mas eu queria saber o que viria depois, depois de uma música e outra e ainda as outras. Coloquei qualquer coisa, daquelas que não despertam interesse, nem desviam a atenção das inúmeras conversas por todos os cantos da casa. Foi quando as pessoas começaram a chegar. 
Iam entrando com suas bebidas, cigarros e suas risadas altas. Você permaneceu inerte. Inerte, só, ridiculamente chato e sóbrio - sobriedade daquelas que te fazem se sentir um lixo por tomar dois copos de cerveja e ter resmungado um tanto da vida com os amigos. 
Não conseguia parar de pensar naquela cena triste que se configurava em volta dos seus, os meus, os nossos queridos. Não era só isso, era amargo e muito mais. Esse misto de amargor, féu e lodo foi cravado por você mesmo onde qualquer um, até mesmo você, não pudesse remover ou mudar de lugar. Essa maldita estaca estava lá, acomodada confortavelmente entre caixa torácica-pulmões-coração. Fazia parte do seu corpo, fazia parte do ser, do que saía pela sua boca e também se era expelido por cada poro. 
Debaixo de você nascia um tipo curioso de musgo que ia subindo por suas pernas metamorfosicamente se transformando numa casca escura opaca fria, tomando conta de todo o corpo. 
De súbito, tive a vontade de te jogar pela janela e ficar com o seu livro. Desligaria a música e mandaria grosseiramente que todos fossem embora com suas piadas e cigarros acesos. E que não vomitassem no sofá, por favor. Que me levassem junto, por favor. Por favor. 
Vezenquando, procurava distrações andando entre os cômodos da casa. Já na cozinha, preparando uma bebida, ouvi no corredor cochichos e comentários não-sei-de-onde: "Nossa, será que brigaram?...Acho que não dura muito tempo não, hein? Pareciam se gostar tanto...". Parei. Permaneci estática. Gritei dentro da minha cabeça com toda a força e esse grito explodiu por dentro como um tiro abafado, fazendo transparecer no lado de fora aquela de quem corri e me escondi por tanto tempo. Anestesiada. 
Você não tinha vencido, mas eu perdi.

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